Neste artigo pretendo fugir um pouco das teorias, métodos e processos de implantação ou manutenção de Programas de Compliance. Não é o objetivo, ao menos desta matéria, explicar os pilares, detalhar as etapas de implementação ou mesmo relacionar o conteúdo mínimo que um bom Programa de Compliance deve contemplar. Deixemos essas questões para a infinidade de conteúdo produzido por colegas que aqui ou no exterior nos brindam com riquíssimo material.
Nas próximas linhas buscarei passar um pouco da experiência que esses 15 anos de dedicação ao Compliance me trouxeram, e que perseverantemente busco explorar em cada novo projeto, em cada treinamento, aula, palestra, comitê, ou mesmo em conversas informais junto a administradores, alguns dos quais ainda hoje insistem em tratar o Compliance como um entrave a seus negócios.
Eis um bom começo: não serei o primeiro nem o segundo a dizer que o Compliance veio para ficar. Ignorar essa realidade não é só nadar contra a correnteza, mas também abdicar de se relacionar com a melhor fatia do mercado, aquela que melhor seleciona, remunera, avalia e reconhece, e que poderá passar a ser sua parceira de longo prazo, uma vez que o compromisso com a integridade está intimamente ligado à sustentabilidade e perpetuação do negócio.
São inúmeras as ações que visam tornar efetivos os mecanismos de controle e integridade, também chamados em nosso meio de medidas de “enforcement”. De alguns anos para cá, não só o setor público – por meio de Leis como a 12.846/13; 6.112/18 (DF); 7.753/17 (RJ), e requisitos licitatórios de empresa públicas – como também o setor privado vêm adotando mecanismos de proteção e integridade que vão ao encontro de tudo o que implementamos quando estruturamos um bom programa de Compliance, seja no campo da ética, do gerenciamento de riscos, dos controles internos, transparência, comunicação ou qualquer outro item. Estes fatores se mostram cada vez mais relevantes para o início ou manutenção do relacionamento interempresarial.
Nesse sentido, entendo que ainda nos dias de hoje pode-se dizer que um bom Programa de Compliance é, sim, uma vantagem competitiva, mas que em breve se tornará pré-requisito para o sucesso ou mesmo para a sobrevivência das empresas, algo como foi o “Inglês Fluente” para profissionais que almejavam cargos mais expressivos em grandes corporações há 20 anos atrás.
Portanto, não há duvidas de que o Compliance veio para ficar. Digo isso não só por conta da vantagem competitiva ou do valor agregado na ocasião de uma operação de M&A, IPO ou na busca por financiamentos, nem mesmo por força da lei, conforme comentado anteriormente, mas principalmente porque é inegável que a nova geração já cresce com outros valores pessoais, não só éticos como sociais e ambientais.
Para nós, profissionais de Compliance, tudo isso é muito claro. Sempre soubemos que um dia essa realidade iria chegar. No entanto, não devemos ignorar os motivos pelos quais certas empresas insistem em resistir a dar o devido valor às questões de integridade. Talvez não faça parte da cultura e histórico comportamental de seus administradores; talvez tenham tido experiências negativas com a adoções de regras e controles que vieram a “engessar” os processos da empresa; talvez nunca tenham sido demandados, ou mesmo tenham crescido exponencialmente à margem da legalidade e da ética. Apesar de buscar compreender esses motivos, tenho a certeza de que, tão logo sintam os impactos dessa negligência em seus balanços, buscarão contratar profissionais ou consultorias que “instalem” um Programa de Compliance em suas empresas, provavelmente primando por selecionar as soluções de baixo custo, os conhecidos “programas de prateleira”.
Existem diversos tipos de empresa e de administrador, sendo certo que, em primeiro plano, o principal desafio do profissional de compliance – seja ele um consultor ou um gestor contratado – é convencer os administradores das empresas de que “o crime não compensa”, e de que um programa de compliance bem implementado pode ser um divisor de águas para a sustentabilidade da organização. Pode parecer tarefa fácil. No entanto, muitos dos nossos empresários são justamente aqueles que utilizam o acostamento no retorno do feriado, que ajudam o órgão público a preparar o edital conforme as características de sua empresa, que votam, doam recursos e fazem companha para os políticos que são seus amigos e virão a beneficiá-lo assim que assumir o poder, ou que subornam o fiscal para que faça “vistas grossas” a irregularidades da empresa.
A notícia boa é que, cada vez mais, a vida não tem sido fácil para esse tipo de administrador. Além de perder clientes comprometidos com a ética e a integridade, percebe-se hoje em dia um esforço governamental, da sociedade e do mundo corporativo em geral no sentido de mudar esse nefasto cenário, seja por meio de leis e decretos, iniciativas (Ex. CGU – Pró-Ética, ETHOS, ONU, Transparência Internacional, Alliance for Integrity), operações investigativas (Ex. Lava Jato, Satiagraha, Castelo de Areia, Skala), regulação específica dos mercados ou diversas outras frentes que aos poucos contribuem para ambientes corporativos mais íntegros e transparentes.
Assim, a mensagem que gostaria de transmitir neste texto é de que é imprescindível que os administradores – conselho, executivos e gestores – das empresas estejam engajados nas questões de Compliance. O “tone at the top” sempre foi e sempre será o fator principal no sucesso de um programa de compliance, pois é a partir dele que serão definidos os investimentos, a estrutura, a prioridade, a dedicação e o valor que a ética e a integridade possuem dentro da organização. O administrador tem na empresa o mesmo papel que os pais possuem em uma família: ele é o exemplo a ser seguido, o direcionador das ações, o formador de opinião e o transmissor de conhecimento. Se houver comprometimento e entusiasmos por parte dele, todos os outros esforços e ações no sentido de estruturar um bom programa de compliance tenderão a ser válidos e efetivos.
Autor: Flávio Riva – Sócio-diretor da Mestra Consultoria, administrador de empresas com especializações em Qualidade e Produtividade pela Escola Politécnica – USP e Project Management pela University of California. Riva é professor de matérias relacionadas a Governança Corporativa, Compliance e Gerenciamento de Riscos, atua como auditor e consultor especialista há mais de 15 anos em empresas nacionais e estrangeiras.
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Flávio,
Gostaria de parabenizar pelo artigo e dizer que é inspirador e encorajador essa area- Compliance, justamente, por saber que a Moral, Integridade, Ética é a qualificação si ne qua non para todos os seus profissionais. Que belo exemplo! Então, COMPLIANCE em todos.
Obrigada,