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Diante da turbulência econômica e da eminente crise em nossa pátria amada por conta de repetitivos escândalos de corrupção e completo descaso com o dinheiro público, entendi que uma matéria sobre corrupção, ou melhor, sobre as ações de combate a esse mal, seria algo atual e apropriado para esse eclético blog da Mestra Consultoria.

Como tenho vivido neste último ano em solo norte-americano, onde continuo atuando em questões relacionadas a Compliance e Governança Corporativa, o foco desta matéria será a lei americana FCPA (Foreign Corrupt Practices Act), legislação cuja eficácia vem ganhando força a cada ano, o que a coloca no centro das preocupações da grande maioria das empresas com atuação internacional..

Cabe primeiramente uma introdução rápida sobre o que é, como surgiu, como foi aperfeiçoado e para que serve esse documento jurídico.

O FCPA. é uma lei americana instituída em 1977, criada com foco em duas linhas primárias de regulação: a primeira relacionada à transparência de contas e ao atendimento a requisitos contábeis; e a segunda direcionada ao combate a ações de suborno a funcionários públicos estrangeiros. De lá para cá essa lei teve duas importantes emendas, uma em 1988 e outra em 1998. Em novembro de 2012, o Departamento de Justiça americano – o DoJ – e a Securities and Exchange Commission – a SEC, ou o equivalente à nossa CVM – publicaram em conjunto um excelente guia para melhor entendimento e interpetação do FCPA. Trata-se do documento intitulado “A Resource Guide to the U.S. Foreign Corrupt Practices Act”, cuja leitura e análise aprofundada se mostra imprescindível para todos aqueles que trabalham com Compliance no Brasil e no exterior.

Importante notar que o assunto não é novo e que, apesar dos Estados Unidos talvez ter saído na frente por conta da maturidade de sua economia e das características globais de seu mercado, existe um movimento similar de combate à corrupção em outras partes do mundo.

Nesse contexto, destaca-se a lei britânica “UK Bribery Act”, que traz em seu conteúdo alguns dispositivos de combate à chamada corrupção privada, cujos efeitos podem ser igualmente ou até mais prejudiciais para os negócios quanto a corrupção de agentes públicos. Prova disso é o esquema de propinas envolvendo a FIFA e algumas confederações regionais e nacionais de futebol recentemente noticiado, o qual, embora pareça não envolver agentes públicos, vem atingindo em cheio a imagem e a reputação do esporte mais apreciado no mundo.

Ainda no contexto de outras legislações de combate à corrupção, vale mencionar a recente Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013, a chamada Lei Anticorrupção brasileira, que foi desenvolvida e aprovada no contexto da recente investigação relativa aos contratos da Petrobras. Embora não seja o foco da presente matéria, vale mencionar que a referida Lei representa um avanço importante no combate à corrupção no país, a despeito de algumas falhas em seu conteúdo que serão objeto de uma futura análise neste blog. .

De volta ao sistema norte-americano, o que mais impressiona não é a concepção lógica e direta do FCPA em si, mas sim a forma com que DoJ e a SEC têm feito valer os seus dispositivos. A partir de modernas técnicas investigativas e do cruzamento de dados e transações, esses órgãos reconstroem com apuro os mais variados esquemas de corrupção, muitos deles executados por indivíduos que sequer pisaram em solo americano. Essa é, aliás, uma característica do FCPA que merece ser comentada. Embora se trate de uma lei editada pelo Congresso dos Estados Unidos e aprovada pelo Executivo daquele país, sua aplicação independe do local em que os atos de corrupção são cometidos, bastando que a origem, a execução ou os efeitos daqueles atos possam ter algum ponto de contato com Estados Unidos.

Assim é que, por exemplo, empresas cujas ações são listadas na Bolsa de Nova York podem ser punidas com base no FCPA em razão de atos cometidos por seus funcionários ou representantes em qualquer país do mundo.

E não digam que não foram avisados. Alertas nada sutis da SEC deixam claro que a lei é para todos, independente do tamanho da empresa ou dos negócios por ela conduzidos:

“This is a Wake-up call for small and medium-size businesses that want to enter into high-risk markets and expand their international sales. When a company makes the strategic decision to sell its products overseas, it must ensure that right internal controls are in place and operating”

– SEC Charges Smith & Wesson With FCPA Violations – www.sec.gov

De acordo com o FCPA, as autoridades norte-americanas podem aplicar penalidades civis e criminais contra pessoas físicas e jurídicas que:

  • auxiliarem, participarem, orientarem, comandarem, induzirem ou solicitarem a prática de uma violação do FCPA por outras pessoas;
  • auxiliarem materialmente um infrator do FCPA, seja de modo consciente ou negligente.
  • combinarem com outras pessoas (físicas ou jurídicas) algum ato que viole o FCPA; ou
  • influenciarem a empresa a violar as disposições contábeis.

Poderia me estender nos detalhes das questões jurídicas relacionadas ao FCPA, mas a ideia aqui não é discutir leis; desculpem-me doutores, mas o que gostaria que refletissem a partir deste texto está muito mais relacionado à cultura da ética, dos controles internos, da governança estratégica e de riscos. Refiro-me à prevenção, algo anterior à necessidade de uma boa banca de advogados de defesa e que muitas vezes torna dispensável esse dispendiosa e desgastante atividade.

Uma das mais importantes contribuições que tenho oferecido aos clientes da Mestra nesses últimos dez anos tem sido o apoio à construção e ao desenvolvimento de programas de Compliance, sempre com o objetivo de criar uma engrenagem que promova a aderência aos valores éticos da companhia.

Entre outras coisas, busco reforçar que os conceitos de Compliance devem ser incessantemente praticados e, sempre que possível, terem sua aderência testada e verificada na prática. Nesse sentido, a comunicação dos valores éticos da empresa deve ser ativa e repetitiva, a fim de que uma “sensação de integridade” deve possa entremear todos os processos e ambientes da companhia.

Embora alguns argumentem em sentido contrário, não tenho dúvidas de que boas empresas de consultoria podem auxiliar no planejamento e implantação de programas de Compliance, seja em razão de experiências anteriores, seja em razão da visão privilegiada sobre a empresa como um todo que só um agente externo consegue atingir.

A meu ver, o FCPA, o UK Bribery Act e a Lei Anticorrupção Brasileira são instrumentos normativos importantes para favorecer e nortear a cultura da integridade e da boa governança empresarial. No entanto, muito mais do que compreender o conteúdo dessas leis, é necessário que os líderes das empresas compreendam que uma cultura empresarial ética se constrói a partir da conscientização de pessoas, o que torna ainda mais desafiadora a missão do Compliance nas empresas.

Antes de encerrar essa matéria, gostaria de propor um exercício aos leitores deste blog, a fim de demonstrar a urgência de corrigirmos o curso dos acontecimentos em nosso país: quando tiverem a oportunidade, busquem na mídia estrangeira disponível na Internet as palavras “corruption”, “fraud”, “bribe” e “money laundering”. Infelizmente, vocês poderão concluir que, apesar de se tratarem de uma busca de palavras na língua inglesa, a maioria dos resultados dessa busca apontará para casos e personagens brasileiros.

Encerro essa matéria com a tradução do parágrafo introdutório do Guia FCPA:

“A prática de suborno corporativo é um mau negócio. Em nosso sistema de mercado livre é fundamental que a comercialização de produtos ocorra com base no preço, qualidade e serviço. Suborno é fundamentalmente destrutivo deste princípio básico. Suborno de funcionários estrangeiros ocorre principalmente para ajudar as empresas na obtenção de negócios. Assim suborno estrangeiro afeta a própria estabilidade dos negócios no exterior.

Subornos de empresas estrangeiras também afetam nosso clima competitivo interno, quando as empresas nacionais se envolver em práticas como um substituto para uma concorrência saudável para os negócios estrangeiros. “

– Senado Americano, 1977

“Corporate bribery is bad business. In our free market system it is basic that the sale of products should take place on the basis of price, quality, and service. Corporate bribery is fundamentally destructive of this basic tenet. Corporate bribery of foreign officials takes place primarily to assist corporations in gaining business. Thus foreign corporate bribery affects the very stability of overseas business. Foreign corporate bribes also affect our domestic competitive climate when domestic firms engage in such practices as a substitute for healthy competition for foreign business.”

– United States Senate, 1977

Justice / fraud / fcpa
FBI | sec spotlight | Wikipédia – Foreign Corrupt Practices Act

Lei Federal Nº 12.846, de 2013